PROJETO DE LEI N.º DE 2003
(Do Sr. Deputado Ronaldo Vasconcellos)
Dispõe sobre a regulamentação das profissões na área de Informática e suas correlatas e assegura ampla liberdade para o respectivo exercício profissional
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º – É livre em todo o território nacional o exercício de qualquer atividade econômica, ofício ou profissão relacionada com a Informática, independentemente de diploma de curso superior, comprovação de educação formal ou registro em conselhos de profissão.
Art. 2º – O exercício das profissões de Informática em todas as suas atividades é garantido por esta lei, independentemente de pagamento de taxas ou anuidades a qualquer conselho de profissão ou entidade equivalente.
Art. 3º – Nenhum conselho de profissão ou entidade similar poderá, sob hipótese alguma, cercear a liberdade do exercício profissional estabelecido por esta lei.
Art. 4º – É vedada toda e qualquer exigência de inscrição ou registro em conselho de profissão ou entidade equivalente para o exercício das atividades ou profissões da área de Informática.
Art. 5º – É nula de pleno direito e passível de responsabilização cível e criminal qualquer exigência de registro em conselhos de profissão ou entidade equivalente, e os atos decorrentes, para participar de licitação, concursos ou processo seletivo para empregos e cargos na área de Informática.
Art. 6º – É facultado à entidade contratante a exigência de diplomas ou certificações para o exercício de funções ou atividades específicas.
Art. 7º – Os conflitos decorrentes das relações de consumo e de prestação de serviços das atividades profissionais regulamentadas por esta lei serão dirimidos pela legislação civil em vigor.
Art. 8º – Para efeito desta lei, entendem-se:
- – Informática é o ramo do conhecimento dedicado a projeto e implementação de sistemas computacionais, de sistemas de informação e ao tratamento da informação mediante uso destes sistemas.
- – Sistemas Computacionais compreendem computadores, programas e demais dispositivos de processamento e comunicação de dados e de automação.
- – Sistemas de Informação são conjuntos de procedimentos, equipamentos e programas de computador projetados, construídos, operados e mantidos com a finalidade de coletar, registrar, processar, armazenar, comunicar, recuperar e exibir informação por meio de sistemas computacionais.
Art. 9º – As profissões de Informática são caracterizadas pelas atividades de interesse social e humano que importem na realização dos seguintes empreendimentos:
I – analise, projeto e implementação de sistemas computacionais, seus serviços afins e
correlatos.
- – planejamento, coordenação e execução de projetos de sistemas computacionais e de sistemas de informação;
- – elaboração de orçamentos e definições operacionais e funcionais de projetos de sistemas computacionais e de informação;
- – especificação, estruturação, implementação, teste, simulação, instalação, fiscalização, controle e operação de sistemas computacionais e de informação;
- – suporte técnico e consultoria especializada em informática;
- – estudos de viabilidade técnica e financeira para implantação de projetos e sistemas computacionais, assim como máquinas e aparelhos de informática;
- – estudos, análises, avaliações, vistorias, pareceres, perícias e auditorias de projetos e sistemas computacionais e de informação;
- – ensino, pesquisa, experimentação e divulgação tecnológica;
- – qualquer outra atividade que, por sua natureza, se insira no âmbito das profissões de Informática.
Art. 10º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O caminho mais eficiente para atingir competência profissional é o da diplomação em curso superior da área específica ministrado por universidades ou faculdades de qualidade. O diploma de curso superior, além de atestar uma formação técnica especializada para o exercício de uma determinada profissão, deve trazer consigo uma preparação para a vida, com os conhecimentos necessários à mobilidade entre profissões, muito comum nos dias de hoje. Ao lado de uma formação especializada, as boas universidades, hoje em dia, devem também oferecer ensino e educação em áreas de domínio conexo, de forma a construir em seus egressos profissionais de perfis flexíveis, decorrentes de sua formação multidisciplinar. Agindo desta forma, as universidades estarão atendendo os interesses da Sociedade e do desenvolvimento técnico-científico nacional.
A Informática muito se beneficiou desta formação multidisciplinar oferecida nos bons cursos, os quais durante anos formaram engenheiros, matemáticos, administradores, físicos, advogados, apenas para citar alguns, para atuarem com competência, criatividade e engenho no desenvolvimento da Informática Brasileira, cujas atividades profissionais tiveram início no Brasil na década de 50, quando foram importados os primeiros computadores, aqueles que funcionavam a válvulas.
Nos anos 60, a utilização destes equipamentos expandiu-se, tendo sua programação, notadamente voltada para fins administrativos e científicos, ficado a cargo de profissionais com formação em áreas tão diversas como Engenharia, Economia, Administração e Ciências Exatas. Como naquela época ainda não havia no País cursos formais de Informática, estes profissionais, os fundadores da área, adquiriram competência técnica diretamente do exercício profissional, pelo autodidatismo e por meio de cursos no exterior.
Na década de 70, a Informática brasileira consolidou-se, atingindo um patamar de grande importância em seu desenvolvimento com a definição, pelo Congresso Nacional, de uma política industrial para o setor, e do ponto de vista profissional, com a criação dos primeiros cursos superiores na área.
Nas duas últimas décadas, o advento dos microcomputadores, seu rápido barateamento, a conseqüente descentralização dos sistemas de informação, a criação da Internet, contribuíram para uma forte disseminação do uso do computador nas mais diferentes áreas das atividades humanas, ensejando a descoberta de novas aplicações, e com isto
incentivando mais ainda o surgimento de profissionais com formação multidisciplinar e de variados perfis.
A Área então expandiu-se muito rapidamente, grande parte devido ao seu peculiar fascínio que naturalmente exerce sobre muitos, e também pelas possibilidades de pleno emprego, boa remuneração e oportunidades favoráveis ao empreendedorismo, mesmo nos freqüentes períodos de crise econômica vividos no País. Hoje atuam no mercado brasileiro de Informática milhares de profissionais com os mais diversos perfis de formação, níveis e graus de competência profissional, atendendo à demanda da Sociedade em uma ampla gama de serviços, desde os mais sofisticados e de alta tecnologia, como os ligados à automação e controle industrial, até os mais simples como pequenos sistemas de controle de empréstimos de fitas em vídeo-locadoras. O mercado escolhe livremente seus profissionais, exigindo, quando necessário, diplomas, certificados e formação específicos.
Diferentemente de outras áreas do conhecimento humano, a Informática permeia de forma profunda e evidente quase todas as áreas do conhecimento humano. Para resolver problemas com nível adequado de qualidade, além dos conhecimentos técnicos de Informática, o profissional deve possuir competência nas áreas da aplicação específica, sejam elas de engenharia, medicina, administração, música, etc. Se no início a multidisciplinaridade da formação profissional era uma conseqüência direta da inexistência de cursos superiores de Informática, hoje é uma exigência para atender à demanda da sociedade por aplicações novas e cada vez mais sofisticadas. E multidisciplinaridade se constrói sobre as férteis bases da liberdade de atuação profissional.
A Informática é como o idioma nacional de um povo, sendo, em alguma medida, usada por toda a população no seu dia a dia. Assim, da mesma forma que todos devem ter liberdade para ler, escrever e falar, o desenvolvimento e uso da tecnologia da informação não podem ficar restritos a uma classe de cidadãos. É essencial para o País a participação de todos os profissionais liberais e técnicos de todos os níveis para o pleno desenvolvimento da Informática nacional.
Este Projeto de Lei propõe a convalidação legal de uma situação de fato existente no Brasil e na maioria dos países desenvolvidos, que é a plena liberdade do exercício profissional na área de Informática. Esta liberdade, no Brasil, é assegurada pela Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 5º, inciso XIII, determina que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, embora ao mesmo tempo deixe em aberto a possibilidade de, no interesse da Sociedade, se criar restrições em situações especiais, no momento de sua regulamentação.
O requisito fundamental para regulamentar este mandamento constitucional para profissões específicas apóia-se na possibilidade de o exercício de uma determinada profissão poder causar sério dano social, principalmente relativo à exposição de vidas humanas a riscos. Nestes casos, para a devida defesa da Sociedade, impõe-se o cumprimento de cursos específicos, obtenção de diplomas de cursos superiores e submissão dos profissionais às regras de órgãos fiscalizadores. Por outro lado, não havendo riscos para a Sociedade, ou existindo outros mecanismos mais eficazes para sua proteção, como ocorre na Informática, recomenda-se, em nome do interesse social, da eficiência e da qualidade de bens e serviços oferecidos à população, a prevalência da liberdade sobre o anti-democrático cerceamento do direito ao exercício profissional, tradicionalmente imposto por conselhos de profissão.
Os conselhos de profissão, embora mantidos pela respectiva categoria profissional, tem a função de proteger a Sociedade contra o mau profissional. Os conselhos, portanto, não
são Conselhos de Profissionais, e certamente não é sua função dar-lhes proteção. Para isto existem os sindicatos. Seu principal e importante papel é o de emitir pareceres, quando solicitado, em relação à qualidade do trabalho de determinados profissionais, resolver disputas, questionamentos e arguições entre cidadãos e profissionais liberais e, quando necessário para a proteção da Sociedade, impedir o exercício da profissão por indivíduos sem a respectiva educação formal exigida para o obrigatório registro no conselho.
Por outro lado, conselhos de profissão não têm meios eficazes de garantir a qualidade dos profissionais nele registrados, em virtude da grande diversidade na qualidade dos cursos superiores e perfis profissionais existentes. Também não há como um conselho garantir a qualidade dos produtos colocados no mercado por empresas que empregam profissionais nele registrados. O que os conselhos de profissão podem executar com eficiência são, sempre que acionado, medidas, em geral judiciais, para impedir o trabalho de profissionais não registrados, ou cassar registro de quem tenha cometido falta grave que tenha resultado em evidente dano social. Nas profissões em que há um direto relacionamento entre o cidadão e o profissional liberal, e nas quais a vida ou saúde do cidadão podem correr algum risco, a atuação preventiva de um conselho de profissão, no sentido de realizar rigoroso controle prévio de quem pode ou não exercer a profissão, encontra justificativas convincentes, embora, saibamos todos que isto não assegura e nem garante a competência de todos autorizados a trabalhar.
Entretanto, há profissões, como é o caso da Informática, em que este controle preventivo é inócuo, porque, nestas profissões, a população não contrata diretamente serviços profissionais para desenvolver suas soluções do dia a dia, e, portanto, não há interação direta entre Sociedade e Profissional. Particularmente, na Informática, o cidadão comum raramente contrata diretamente um profissional liberal para desenvolver um software sob medida. O usual é a aquisição no mercado de produtos acabados, importados ou desenvolvidos por empresas da área. Neste caso, controle da qualidade de produto é suficiente para atingir o nível de proteção necessário, e para isto não se requer a constituição de conselhos de profissões, e muito menos de se criar reserva de mercado de trabalho. Controle de qualidade de produtos é sempre mais confiável e efetivo que a pura exigência de registro dos profissionais que desenvolveram o produto. Acrescente-se a isto o fato de o controle fiscalizador dos conselhos de profissão não se aplicar a software importado, constituindo-se assim, no caso da Informática, uma absurda reserva de mercado de trabalho para estrangeiros, em detrimento do trabalhador brasileiro.
Cumpre destacar que empresas são os principais usuários dos serviços dos profissionais de Informática. Entretanto, não há justificativas para se criar conselhos de profissão para proteger empresas, porque além de estarmos afastando-nos dos princípios de funcionamento dos conselhos de profissão, que é a proteção da Sociedade, devemos entender que, em saudáveis sistemas econômicos e sociais, as dificuldades de uma boa seleção de pessoal técnico são responsabilidade inerente ao risco empresarial. Grandes empresas certamente concordam com esta visão; se assim não fosse, todos dispensariam entrevistas, provas, testes e exames em seus processos seletivos de pessoal, uma vez que, em teoria, bastaria exigir dos candidatos a apresentação da carteira do respectivo conselho.
Devemos, contudo, reconhecer que há um conflito entre os interesses dos profissionais da área, que legitimamente almejam bons empregos e altos salários, e os da Sociedade, que deseja, também legitimamente, alta qualidade de bens e serviços e baixo custo destes mesmos bens e serviços. De fato, muitos acreditam que o caminho mais fácil para atender os anseios dos profissionais é o estabelecimento, por meio de conselhos de
profissão, de uma reserva de mercado de trabalho, a qual pode trazer como benefícios à categoria a redução da competição por emprego, uma provável melhor remuneração devido à exclusão de muitos da oferta de profissionais no mercado e um possível aumento de oportunidades de trabalho pela possibilidade de atuação em áreas que exigem menor qualificação.
Infelizmente, o preço destes benefícios, se concedidos por esta Casa aos profissionais de Informática, será pago pela Sociedade, que passará a arcar com um maior custo dos produtos devido ao conseqüente aumento de salários e da mais que provável perda de qualidade dos produtos devido à redução do nível de competição. Para as empresas, também haverá ônus decorrente da possível redução da competitividade devido ao maior custo de pessoal, que é relevante componente na composição do custo final dos produtos e serviços de Informática, e, certamente, haverá dificuldades de contratação de pessoal com perfil mais adequado. Às empresas interessam muito mais a liberdade para constituição de equipes multidisciplinares e com formação diversificadas, tanto em nível como em especialidades, que uma simples fiscalização externa de quem porta ou não determinados comprovantes de registro em conselhos.
A conclusão é que uma regulamentação nos moldes tradicionais, com criação de conselhos fiscalizadores e reserva de mercado de trabalho para categorias específicas, não se aplica à Informática e que, com certeza, uma regulamentação deste naipe seria nocivo ao desenvolvimento desta área e contrário aos interesses da Sociedade.
Até o presente, no País, prevaleceu, com muito sucesso, a prática dos países mais bem sucedidos em Informática que é a de permitir o livre exercício da profissão, sem qualquer tipo de regulamentação ou restrição à liberdade individual de trabalho. É assim nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Canadá e Espanha, para citar alguns dos mais importantes na Área.
Por outro lado, a Informática brasileira enfrenta hoje um sério e real problema: conselhos de outras profissões já estabelecidas estão avançando, através de Resoluções Normativas, sobre a Área na tentativa de se apropriar de atribuições profissionais que até o presente foram exercidas livremente no País. Há registros concretos de dificuldades impostas aos profissionais e empresas de Informática, e o fato de se criar um novo conselho, nos moldes tradicionais, para a profissão de Informática não resolve estes problemas, mas, na verdade, os agrava, porque acarretará a indesejável necessidade de se ter duplo ou triplo registro, um em cada conselho, como já ocorre em certas áreas. Infelizmente, uma regulamentação tradicional, por si só, não garantirá ao profissional de Informática o constitucional direito ao trabalho, mesmo se devidamente registrado no seu respectivo conselho de profissão.
Propomos então, por meio de projeto de lei, uma regulamentação que coloque o interesse da Sociedade em primeiro plano. Nossa proposta de lei tem como supedâneo o princípio que, para o bem da Sociedade, o exercício da profissão na área de Informática deve continuar sendo livre e independente de diploma ou comprovação de educação formal e que nenhum conselho de profissão pode criar qualquer impedimento ou restrição a este princípio. A exigência de diplomas ou outros documentos indicadores de qualidade deve ser facultada às entidades contratantes, e não uma obrigação legal.
Por outro lado, reconhecemos que a tradição brasileira privilegia a existência de algum órgão fiscalizador que, de alguma forma, garanta a qualidade do exercício profissional. Para atender este requisito, sem ferir os princípios fundamentais da liberdade individual ao trabalho, que defendemos por meio deste PL, entendemos que, em analogia com o que ocorre no setor publicitário, onde atua o CONAR, as entidades organizadas do setor de Informática, representativas dos trabalhadores, de empresas e da comunidade científica de ensino e pesquisa em Computação poderiam e deveriam, a exemplo dos
publicitários, livremente constituir um Conselho de Auto-Regulação, o qual deve
obrigatoriamente diferir dos tradicionais conselhos de profissão nos seguintes aspectos:
1) a função deste Conselho seria primordialmente o controle de qualidade das atividades profissionais e monitoramento de possíveis desvios de conduta ética; 2) o Conselho de Auto-Regulação, por ser o resultado de um ato espontâneo da Sociedade, sem aprovação formal no Congresso Nacional, não teria poder de sanção penal, mas somente as de cunho moral e ético; 3) o Conselho de Auto-Regulação teria o compromisso de criar, rever e divulgar periodicamente à Sociedade padrões de referência de qualidade que poderiam ser exigidos dos profissionais pela Sociedade; 3) não haveria obrigatoriedade de registro de qualquer espécie neste Conselho, nem para indivíduos e nem para empresas e 4) o Conselho não teria poderes para emitir Resoluções Normativas restringindo a liberdade de quem quer que seja.
Desta forma, a aprovação do presente Projeto de Lei pelo Congresso Nacional e a criação do Conselho de Auto-Regulação pela Sociedade Civil, representada por suas entidades organizadas, proverão todas as garantias de liberdade e qualidade necessárias ao desenvolvimento nacional do setor de Informática.
Pelo exposto, pedimos o valioso apoio dos ilustres parlamentares desta Casa para a aprovação deste projeto, certos que estamos defendendo os interesses da Sociedade, contribuindo para o desenvolvimento da Informática no País e também fazendo justiça à classe dos profissionais que construíram o mercado e a indústria de Informática no País e fizeram desta atividade um dos empreendimentos nacionais mais bem sucedidos.
Brasília, 29 de julho de 2003
DEPUTADO R NALDO VASCONCELLOS
PTB/MG
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Agora, eu lhe pergunto, o que você acha que precisamos fazer pra nossa profissão ser regulamentada?